quarta-feira, 9 de novembro de 2011

POEMA EM LINHA RETA

      Nunca conheci quem tivesse levado porrada. Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo. E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil, Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita, Indesculpavelmente sujo, Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho, Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo, Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas, Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante, Que tenho sofrido enxovalhos e calado, Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda; Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel, Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes, Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar, Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado Para fora da possibilidade do soco; Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas, Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo. Toda a gente que eu conheço e que fala comigo Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho, Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida... Quem me dera ouvir de alguém a voz humana Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia; Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia! Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam. Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil? Ó príncipes, meus irmãos, Arre, estou farto de semideuses! Onde é que há gente no mundo? Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra? Poderão as mulheres não os terem amado, Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca! E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído, Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear? Eu, que venho sido vil, literalmente vil, Vil no sentido mesquinho e infame da vileza. (Fernando Pessoa)

    domingo, 6 de novembro de 2011

    Soneto de fidelidade

    De tudo, ao meu amor serei atento
    Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
    Que mesmo em face do maior encanto
    Dele se encante mais meu pensamento
    Quero vivê-lo em cada vão momento
    E em seu louvor hei de espalhar meu canto
    E rir meu riso e derramar meu pranto
    Ao seu pesar ou seu contentamento
    E assim quando mais tarde me procure
    Quem sabe a morte, angústia de quem vive
    Quem sabe a solidão, fim de quem ama
    Eu possa me dizer do amor (que tive):
    Que não seja imortal, posto que é chama
    Mas que seja infinito enquanto dure

    quarta-feira, 2 de novembro de 2011

    ‎"E, mesmo assim, estarei sempre pronta para esquecer aqueles que me levaram a um abismo. E mais uma vez amarei. E mais uma vez direi que nunca amei tanto em toda a minha vida."
    O dono de um pequeno comércio,
    amigo do grande poeta Olavo Bilac,
    abordou-o na rua e disse: - Sr. Bilac,
    estou precisando vender o meu sítio,
    que o senhor tão bem conhece.
    Será q o senhor poderia redigir o anúncio para o jornal?
    Olavo Bilac apanhou o papel e escreveu:
    "Vende-se encantadora propriedade,
    onde cantam os pássaros ao amanhecer
    no extenso arvoredo, cortada por cristalinas
    e marejantes águas de um ribeirão.
    A casa banhada pelo sol nascente oferece
    a sombra tranqüila das tardes na varanda".
    Meses depois, topa o poeta com o homem
    e pergunta-lhe se havia vendido o sítio. -
    Nem pensei mais nisso, disse o homem.
    Quando li o anúncio é que percebi a maravilha
    que tinha. Às vezes, não descobrimos as coisas
    boas que temos conosco e vamos
    longe atrás da miragem de falsos tesouros.
    Valorize o que você tem, os amigos que
    estão perto de você, o conhecimento que você adquiriu,
    a sua saúde, a pessoa que o ama e que
    está ao seu lado pronta para as horas boas e difíceis.
    Isso que é tesouro.